quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A religiosidade, a espiritualidade e o consumo de drogas

 

A religiosidade e a espiritualidade vêm sendo claramente identificadas como fatores protetores ao consumo de drogas em diversos níveis. Objetivo: A presente revisão da literatura pretendeu descrever os principais estudos científicos que tratam do papel da religiosidade no tratamento e na prevenção do consumo de drogas. Método: As fontes citadas neste artigo de revisão são indexadas nas bases de dados PubMed e Scielo, entre 1976 e 2006, tratando de questões relativas à religiosidade, à espiritualidade e ao consumo de drogas. Resultados: Estudos têm apontado para evidência de que as pessoas que freqüentam regularmente um culto religioso, ou que dão relevante importância à sua crença religiosa, ou ainda que praticam, no cotidiano, as propostas da religião professada, apresentam menores índices de consumo de drogas lícitas e ilícitas. Além disso, os dependentes de drogas apresentam melhores índices de recuperação quando seu tratamento é permeado por uma abordagem espiritual, de qualquer origem, quando comparados a dependentes que são tratados exclusivamente por meio médico. Conclusões: Devido ao forte papel de assistência social das religiões no Brasil, a exploração deste tema no contexto brasileiro seria de grande relevância para a saúde pública.


Diversos são os estudos científicos que apontam a relevância da prática de uma religião e da fé para a manutenção, assim como para a melhora das condições de saúde (Moreira-Almeida et al., 2006; Koenig et al., 2001). Já existe literatura científica indexada, substancial e concreta, associando, positivamente, a religiosidade ao bem-estar físico e mental do ser humano
(George et al., 2002; Miller e Thoresen, 2003).

Apesar de esses estudos terem enorme dificuldade para estabelecer um padrão medidor da religiosidade, ao longo dos últimos 30 anos dados quantitativos vêm apontando para a relevância desta na prevenção do consumo de drogas. As evidências apontam para a existência de uma associação positiva entre o não-consumo de drogas e os altos índices de religiosidade que, em particular, são expressos pelas idas freqüentes à igreja e pela importância dada à religião professada
(Parfrey, 1976; Dalgalarrondo et al., 2004).

Os estudos científicos publicados em revistas indexadas apontam para o papel fundamental da religiosidade, principalmente no tratamento de doenças crônicas e severas. Os pacientes são beneficiados pela prática religiosa, em especial nos períodos que estão sujeitos a mudanças sociais e psicológicas estressantes oriundas das condições geradas pela patologia (Koenig, 2003). Dentro desse perfil, encontram-se os dependentes de drogas que, por serem portadores de patologia crônica, vivenciam momentos estressantes e traumáticos ao longo do seu processo de recuperação
(Sanchez, 2006).

Booth e Martin (1998), analisando os dados existentes na literatura científica até 1997, afirmaram que se observa claramente uma relação inversa entre a religiosidade e o uso de substâncias psicotrópicas, embora não se possam descartar os diversos problemas derivados da eventual mensuração dos índices de religiosidade, além de um certo viés amostral de alguns desses estudos. Os autores também apontam para um efeito positivo da religião na recuperação dos dependentes, destacando o papel fundamental desempenhado pela Igreja na área da prevenção e do tratamento destes. Da mesma maneira, Koenig et al. (2001) afirmaram haver, até o ano 2000, mais de 100 estudos interessantes no campo da religião relacionados com o abuso de substâncias psicotrópicas.
A maioria desses estudos enfatizou a relação inversa da religiosidade com o consumo de drogas, teorizando sobre os supostos mecanismos de recusa das drogas quando em um cenário de contexto religioso, baseados em dados obtidos por levantamentos epidemiológicos com características estritamente quantitativas.

Vale destacar que os estudos dentro do tema “religiosidade e drogas” tendem a enfocar mais o papel da religiosidade para a prevenção primária do consumo e, também, o da espiritualidade no que respeita ao tratamento da dependência (Booth e Martin, 1998).

Os termos “religiosidade” e “espiritualidade” costumam ser utilizados como sinônimos nos estudos empíricos (Miller e Thoresen, 2003). No entanto, existe um infindável debate epistemológico da utilização desses conceitos. Para padronizar a informação, no presente trabalho utilizou-se a conceituação de Sullivan (1993) para a espiritualidade e a de Miller (1998) para a religiosidade. De acordo com o primeiro, a espiritualidade é uma característica única e individual que pode ou não incluir a crença em um “Deus”, sendo aquela responsável pela ligação do “eu” com o Universo e com os outros, a qual também está além da religiosidade e da religião. Já a religiosidade representa a crença e a prática dos fundamentos propostos por uma religião (Miller, 1998).

Para o levantamento dos artigos citados neste artigo de revisão, foi feita uma busca nas bases de dados Medline (PubMed) e Scielo, procurando artigos, em inglês, português, espanhol e francês, que tratassem de questões relativas à religiosidade, à espiritualidade e ao consumo de drogas psicotrópicas, entre 1976 e 2006, tendo-se utilizado as seguintes palavras-chave: “religião”, “religiosidade”, “espiritualidade”, “uso, abuso ou dependência de drogas” e “drogas psicotrópicas”. Além disso, também foram levantadas as teses de doutorado brasileiras, indexadas pela Capes, que também refletissem estudos sobre o tema.

As seções seguintes apresentam a revisão dos dados já publicados na literatura e que formam o corpo do conhecimento teórico do tema do presente trabalho. Por questões didáticas, os achados foram divididos em dois grandes grupos: Religiosidade e “epidemiologia” do consumo de drogas e Religiosidade e “tratamentos” para a recuperação dos dependentes de drogas.

Religiosidade e epidemiologia do consumo de drogas


Aspectos gerais

No que tange ao consumo das drogas psicotrópicas, a religião vem sendo claramente identificada como um fator protetor ao uso de drogas, tanto no Brasil quanto no exterior. Entre os estudos que se referem à relação existente entre a religião e as drogas, um dos mais antigos foi realizado na Irlanda e teve como amostra 458 estudantes universitários daquele país. Notou-se maior consumo de álcool entre os estudantes com menor crença em Deus e menor freqüência aos cultos religiosos (Parfrey, 1976).

Dentro desse item que trata dos aspectos gerais, por nos parecer mais didático, optou-se pela apresentação cronológica dos principais estudos científicos sobre o tema. Como será visto adiante, todos têm característica quantitativa e utilizam meios estatísticos para avaliar correlação entre a religiosidade e o consumo de drogas, sem, contudo, enfocar os mecanismos estruturais
do fenômeno.
Em um estudo realizado com 2.066 adolescentes canadenses, Adlaf e Smart (1985) examinaram a relação entre o uso de drogas e diversas formas de mensuração da religião, como a afiliação religiosa, a religiosidade e a freqüência à igreja. A afiliação religiosa não diferiu entre os usuários de drogas, quer eles fossem católicos, protestantes e sem religião. Por outro lado, os índices de religiosidade e a freqüência à igreja diferiram entre os usuários e os não-usuários de drogas de forma significativa. Aqueles que pouco freqüentavam a igreja ou que, de alguma forma, não praticavam a sua religião eram os mais propensos a ser usuários de álcool e de outras drogas.

No estudo de Lorch e Hughes (1985), realizado com 13.878 estudantes, a importância dada à religião foi o fator protetor fundamental para o não consumo de drogas, pois, quanto maior era a importância dada à religião, menor era o envolvimento com as drogas.

Cochran et al. (1988) estudaram a relação entre a religiosidade, o uso de álcool e a percepção do uso irracional deste, tendo para isso utilizado os dados obtidos no General Social Survey de 1972 e 1984, com 7.581 pessoas maiores de 18 anos. Os autores verificaram que as pessoas sem religião eram mais propensas a utilizar o álcool e que os batistas eram os menores consumidores desta substância. Posteriormente, Midanik e Clark (1995), seguindo a mesma metodologia para os levantamentos dos anos de 1984 a 1990, corroboraram esses achados, apontando para a evidência de que as pessoas com maior índice de religiosidade apresentam menos problemas relativos ao consumo de álcool.

Hawks e Bahr (1992) sugeriram que a religiosidade, expressa pela prática de uma religião, retarda o primeiro uso do álcool, também influenciando a menor freqüên­cia posterior do seu consumo. As suas observações confirmaram que a freqüência a igrejas e sinagogas estaria inversamente relacionada com o uso de álcool e de outras drogas. No mesmo ano, na Espanha, Luna et al. (1992) verificaram, em uma investigação entre 955 estudantes universitários, que aqueles que consideravam a religião algo importante nas suas vidas eram os mesmos que relatavam menor consumo de álcool e outras drogas, assim como consideravam perigoso o consumo dessas substâncias.

Koenig et al. (1994), ao examinarem a relação entre o alcoolismo e as diversas atividades religiosas, constataram que as pessoas que freqüentavam a igreja regularmente e eram engajadas em preces e leituras da Bíblia apresentavam índices significativamente menores de alcoolismo.

Em Trinidad e Tobago, Singh e Mustapha (1994), em um estudo com 1.603 estudantes secundaristas, identificaram quatro variáveis religiosas claramente relacionadas com menor envolvimento do consumo de drogas, que foram as seguintes: aderir e participar de programas religiosos para jovens; valorizar os ensinamentos religiosos; considerar importante crer em Deus e considerar importante orar quando se está diante de alguma dificuldade.

No ano seguinte, na Alemanha, seguindo a idéia de Luna et al. (1992), Cronin (1995), em um estudo com 216 estudantes, verificou que o consumo de drogas foi significativamente maior nos do ensino médio que davam pouca importância para a religião e para a espiritualidade.

Dois levantamentos, realizados entre estudantes universitários nigerianos, apontaram para a constatação de que a ausência de uma religião se relacionava a uso maior do álcool, do tabaco e da maconha (Ndom e Adelakan, 1996). Dez anos depois, seguindo os mesmos padrões metodológicos, esse fato também se verificou em um estudo realizado entre adolescentes que viviam nos Estados Unidos (Sinha et al., 2006).

Em um estudo com 1.902 irmãs de famílias religiosas ou não-religiosas, pôde-se constatar que a religiosidade da família foi um dos fatores determinantes do ambiente doméstico saudável e não conflituoso, pois diminuiu consideravelmente o risco do abuso de drogas por elas (Kendler et al., 1997).

De acordo com o gênero, alguns estudos apontam para uma diferença no que diz respeito à postura diante da religiosidade e do consumo de drogas. Em um levantamento americano realizado entre 210 estudantes universitários, notou-se que, especialmente nas mulheres, a crença religiosa estava relacionada à cautela em relação ao consumo do álcool e das drogas, assim como aos padrões de comportamento sexual. Já para os homens, a religiosidade só foi identificada como protetora do consumo de outras drogas, que não o álcool e o tabaco (Poulson et al., 1998). Na Escócia, essa relação também foi verificada entre os estudantes universitários dos cursos das áreas de saúde e educação, verificando-se que, apesar de tanto os homens como as mulheres praticantes de uma religião consumirem menos drogas dos que os não pertencentes a nenhum grupo religioso, eles sempre faziam um consumo mais intenso do que elas, sendo eles também mais tolerantes em relação ao consumo de drogas lícitas e ilícitas (Engs e Mullen, 1999).

A devoção pessoal, expressa essencialmente pelas orações dirigidas a Deus, mostrou-se inversamente associada ao abuso e à dependência das drogas psicotrópicas, com a exceção do tabaco, entre os adolescentes entrevistados pelo Nacional Comorbidity Survey nos EUA (Miller et al., 2000).

Sutherland e Shepherd (2001), comparando aspectos sociais da vida dos usuários e dos não-usuários de drogas em Gales, sugeriram que a falta de uma crença religiosa atuaria como um fator de risco para o consumo de drogas, e a relação negativa entre a crença em Deus e o consumo de drogas ilícitas se torna mais forte conforme a idade aumenta. Já para Hodge et al. (2001), maior atividade religiosa, expressa pela prática de preceitos e pela freqüência a uma igreja, aumentaria a possibilidade de os adolescentes rurais americanos nunca experimentarem álcool.

No que diz respeito à educação religiosa, Miller et al. (2001), estudando, em Nova York, os filhos dos consumidores de heroína vinculados a programas de substituição desta pela metadona, afirmaram que as crianças do grupo experimental com algum tipo de educação religiosa, em geral oferecida pelos adultos não dependentes de drogas, tiveram menor propensão ao envolvimento com drogas do que as que nunca se submeteram a uma formação religiosa.

Também entre as crianças e os jovens caribenhos, dos 10 aos 18 anos, aqueles que estavam envolvidos com algum grupo religioso, freqüentando as atividades religiosas, apresentavam menos comportamentos de risco, inclusive em relação ao consumo de álcool e de drogas, o que evidencia o papel protetor da religiosidade do domínio público (participação em grupos religiosos) (Blum et al., 2003). No entanto, para Nonnemaker et al. (2003), parece que a religião se apresenta protetora do uso experimental de drogas apenas entre os adolescentes que obtiveram pontuações elevadas nos quesitos relativos ao domínio privado (prece individual) da sua religiosidade, expresso pelo número de orações semanais e pela importância dada à religião. A religiosidade privada parece ser a responsável por reduzir o impacto dos eventos estressantes na vida, que é determinante para o início do consumo de substâncias psicotrópicas (Wills et al., 2003).

Quando se buscou a existência da influência da religiosidade no consumo de drogas, relacionada com a questão da raça, Wallace et al. (2003) verificaram que, apesar de maior número de jovens negros norte-americanos se declararem religiosos, a relação entre a religiosidade e a abstinência do álcool e da maconha foi mais intensa entre os brancos. Tal evidência já havia sido identificada em uma pesquisa baseada em dados de um levantamento nacional, realizada neste mesmo país (Amey et al., 1996).

Também na Hungria, um estudo com 1.240 adolescentes se evidenciou a relação inversa entre o consumo de tabaco, de álcool e de maconha, e a prática religiosa (Piko e Fitzpatrick, 2004).

Nos sete países da América Central, também foi possível identificar a religiosidade como um fator protetor. Um estudo epidemiológico com cerca de 13 mil estudantes dessa região identificou que a prática religiosa, expressa pela freqüência à Igreja Católica ou Protestante, estava inversamente relacionada com os consumos prematuros do cigarro e da maconha, além de também diminuir as chances de exposição ao álcool (Chen et al., 2004).

Em um estudo aleatório com os pacientes que deram entrada em três pronto-socorros na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, verificou-se que a participação regular em uma igreja teve significativo impacto positivo diante do consumo de álcool nas seis horas anteriores à entrada na sala de emergência (Bazargan et al., 2004).

No intuito de compreender o mecanismo pelo qual a religiosidade poderia ser considerada protetora do consumo de drogas, Stylianou (2004), por meio de questionários enviados por e-mail, investigou padrões de consumo e conceitos de religiosidade em 276 estudantes universitários do Chipre. Os resultados sustentaram a hipótese de que a religiosidade controla indiretamente as atitudes perante o consumo de drogas pela percepção da imoralidade que o ato representa em si próprio.

No ano de 2006, dois estudos que trataram do consumo de drogas, especificamente entre mulheres de risco, apontaram para o papel protetor da religiosidade como sendo algo que as influenciou, levando-as a menor consumo de drogas (Klein et al., 2006), assim como favoreceu sua diminuição quando este já era praticado (Brown, 2006).

No Brasil, não há muitos estudos nesta área, no entanto, recentemente, foi publicado um estudo qualitativo que corrobora os achados internacionais quantitativos, evidenciando que a maior diferença entre os adolescentes usuários e os não-usuários de drogas psicotrópicas, de classe social baixa, era a sua religiosidade e a da sua família. Nesse estudo, os autores observaram que 81% dos não-usuários praticavam a religião professada por vontade própria e admiração, mas apenas 13% dos usuá­rios faziam o mesmo. Nesse segundo grupo, porém, a prática religiosa estava diretamente relacionada à busca da reabilitação diante do consumo de drogas, mas essa só começou após o início do consumo abusivo destas (Sanchez et al., 2004).

Dalgalarrondo et al. (2004), ao avaliarem 2.287 estudantes de escolas públicas e particulares de Campinas (SP), verificaram que o uso intenso de pelo menos uma droga (álcool, tabaco, medicamentos, maconha, solventes, cocaína ou êxtase) foi maior entre os que não tiveram educação religiosa na infância.

Por fim, no ano de 2006, os pesquisadores da Universidade de São Paulo, em um estudo com 926 estudantes universitários paulistanos, publicaram seus achados epidemiológicos afirmando que, aqueles que possuíam uma renda familiar alta e não professavam alguma religião, eram os que correriam maior risco de consumir drogas (Silva et al., 2006). Além disso, esse mesmo estudo detectou a ausência de bebedores excessivos entre os espíritas e os protestantes praticantes.


Diferenças epidemiológicas de acordo com a religião professada


O É possível notar diferenças significativas na postura perante o consumo de drogas, em especial ao álcool, de acordo com a religião professada. Nusbaumer (1981), analisando os dados obtidos pelo National Opinion Research Center, observou que algumas vertentes pro­testantes históricas, como a batista e a metodista, tinham maior tendência à abstinência alcoólica que os católicos, os luteranos, os presbiterianos e os episcopais. Esse dado foi muito semelhante ao encontrado posteriormente por Engs et al. (1990), que verificaram que os católicos e os protestantes liberais apresentavam mais problemas relacionados com o consumo de álcool do que os protestantes conservadores (batista e metodistas).

Schlegel e Sanborn (1979) e Lorch e Hughes (1985) observaram entre os estudantes primários e secundários no Canadá e nos Estados Unidos que aqueles que pertenciam e participavam de uma Igreja Protestante Fundamentalista (pentecostal) tinham índices muito menores de envolvimento com álcool e outras drogas.

Carlucci et al. (1993) chegaram a conclusões similares ao verificar que os protestantes e os judeus aceitam com mais facilidade a abstinência de álcool do que os católicos.

No que diz respeito ao tabaco, Ahmed et al. (1994) verificaram que as mulheres adeptas de religiões evangélicas pentecostais fumavam 3,6 vezes menos que as das outras religiões.

Segundo Francis (1997), que avaliou 11.173 estudantes britânicos, entre os 13 e os 15 anos de idade, os adeptos das dominações protestantes, tanto tradicionais como pentecostais, mostraram-se mais propensos a rejeitar uma oferta de consumo de qualquer droga do que os católicos ou os indivíduos sem religião.

Um outro estudo, com 263 estudantes norte-americanos, mostrou que aqueles que não tinham alguma afiliação religiosa relataram maior envolvimento com o álcool (em número de doses, dias de consumo por semana e episódios de intoxicação). Nesse mesmo estudo, notou-se que os protestantes ainda tiveram padrão de consumo de álcool mais controlado e menos perigoso do que o dos católicos (Patock-Peckham
et al., 1998).

Em linhas gerais, os diversos estudos colocam os católicos como o grupo religioso com o maior índice de consumo de álcool, com taxas muito parecidas às das pessoas sem religião (Perkins, 1985; Amoateng e Bahr, 1986; Cochran et al., 1988). Esses dados podem estar deturpados pela forma como o entrevistado avalia a religião que professa. No Brasil, apesar de a religião oficial ser a católica, o indivíduo não é obrigado a realizar as práticas católicas, no entanto, autodenomina-se católico, mesmo quando não pertence a nenhum grupo religioso ou é simpatizante de outros.

Cada religião tem a sua opinião mais ou menos permissiva quanto ao consumo de drogas, embora diferindo no que diz respeito à questão do álcool e do tabaco. Por esse motivo, o papel preventivo da religião diante do consumo de drogas está mais associado às religiões que, como as protestantes, oferecem uma visão menos permissiva dessa questão (Gorsuch, 1995).


Religiosidade e tratamentos para a recuperação de dependentes de drogas.


Tratamentos religiosos

Pouco está descrito a respeito dos “tratamentos” religiosos de reabilitação realizados nas Igrejas, apesar de, no Brasil, haver uma observação leiga e midiática apontando para os aspectos positivos desse tipo de intervenção.

Quando se consideram os temas relativos à espiritua­lidade e à religiosidade no tratamento da dependência de drogas, nota-se nitidamente a preferência dos pesquisadores em estudar o papel dos grupos com base espiritual, mas não religiosa, como os alcoólicos anônimos (AA).

A maioria dos estudos baseados nos programas de tratamento realizados por Igrejas fundamenta-se na corrente protestante, visto que ela foi a pioneira nessa área de atuação logo após a Segunda Guerra Mundial, implementando programas de recuperação nas igrejas evangélicas de Chicago e New York (Brown, 1973). Desde a década de 1960, no entanto, a igreja católica também se mostrou uma fornecedora de “tratamento” e reabilitação da dependência de drogas, embora a maior parte dos programas religiosos para o referido tratamento estude de forma pouco criteriosa a avaliação das suas metodologia e eficácia (Gorsuch, 1995). Nas populações mais pobres, em particular nas quais a religião influencia as questões sociais, como é o caso de Porto Rico, os tratamentos religiosos oferecidos pelas igrejas evangélicas, com base na fé e sem a intervenção médica, têm ganhado espaço e aumentado em número de igrejas e adeptos (Hansen, 2004).

Independente da religião professada, observa-se um forte impacto da religiosidade e da espiritualidade no tratamento da dependência de drogas, sugerindo que o vínculo religioso facilita a recuperação e diminui os índices de recaída dos pacientes submetidos aos diversos tipos de tratamento (Pullen et al., 1999). Dentro de um grupo dos narcóticos anônimos (NA), observou-se que um melhor índice de recuperação estava associado a uma prática religiosa formal diária, evidenciando que aqueles que, além de freqüentarem as reuniões do grupo de mútua ajuda, tinham um vínculo com alguma religião, apresentavam mais sucesso na manutenção da sua abstinência (Day et al., 2003). A uma conclusão semelhante chegaram Turner et al. (1999) que, no seu estudo com uma população exclusivamente de mulheres em recuperação, enfatizaram a importância da associação de um programa de 12 passos a uma prática religiosa regular.

Alguns autores chegam a afirmar que a simples ida à Igreja contribui para a diminuição do consumo de drogas como a cocaína, sem necessariamente nesses locais existir um tratamento formal. No entanto, quando associados aos grupos dos 12 passos, a eficácia parece ser maior (Richard et al., 2000).

Já em um programa de substituição de heroína pela metadona, realizado pelo governo norte-americano, verificou-se que os pacientes que apresentavam maiores índices de espiritualidade e que tinham o suporte de uma entidade religiosa (Igreja) foram os que apresentaram o maior tempo de abstinência em relação às drogas ilícitas. Esse fato sugeriu que a religiosidade fosse preditora da abstinência nos grupos de dependentes de heroína (Avants et al., 2001). Também entre os pacientes em tratamentos de substituição pela metadona, em um estudo exploratório qualitativo, foi constatada a importância dada por essa população às questões espirituais. O tema emergente nas entrevistas foi o senso de força e a proteção que percebem na prática religiosa, o que os faz valorizar um possível tratamento com base na sua própria espiritualidade (Arnold et al., 2002).

Utilizando uma escala de transcendência espiritual, validada para a população norte-americana, com a finalidade de medir o envolvimento pessoal com questões sagradas e divinas, Piedmont (2004) observou que as maiores pontuações dentro de conexões com a divindade, por exemplo na forma de preces, estavam associadas ao maior sucesso na recuperação dos usuários de droga em tratamento médico convencional.

Apesar de pouco comum, alguns autores arriscam teorias que sustentam um possível mecanismo do papel da religiosidade na recuperação do usuário de drogas e no controle da recaída, sugerindo que o aumento do otimismo, a melhor percepção do suporte social, a maior resiliência ao estresse e a diminuição dos níveis de ansiedade seriam responsáveis pelo sucesso desses programas (Pardini et al., 2000). Já para Barrett et al. (1988) esse mecanismo estaria muito mais relacionado às questões sociais, como a ressocialização do jovem pela reestruturação da sua rede de amigos, colocando-o em um ambiente mais saudável e sem a oferta
de drogas.

Segundo Carter (1998), a chave de uma recuperação de longo tempo, ou seja, aquela com mais do que cinco anos de abstinência, está diretamente relacionada ao desenvolvimento da espiritualidade do paciente, e, das pessoas que freqüentam os grupos de AA, 34% conseguem atingir a abstinência de longo prazo. No entanto, o autor sugere que sejam feitas pesquisas qualitativas que possam desvendar o papel real dessa espiritualidade na recuperação da dependência de drogas.

Paralelo a isso, Pardini et al. (2000) ressaltaram que, enquanto há uma quantidade mínima de pesquisas científicas analisando o real impacto e o mecanismo da religiosidade no tratamento dos dependentes de drogas, muitos investigadores teorizam tais fatores baseados nas próprias crenças e nos resultados quantitativos indiretos, o que sugere a necessidade de pesquisas qualitativas para a compreensão do fenômeno.

Dentro da linha qualitativa, um recente estudo brasileiro tentou esclarecer os mecanismos da intervenção religiosa proposto pelas três maiores religiões brasileiras: o catolicismo, o protestantismo e o espiritismo. Foram entrevistados em profundidade 90 indivíduos que haviam se submetido a intervenções religiosas (não-médicas) para curar a sua dependência de drogas. As conclusões apontaram diferenças no suporte ao dependente de drogas oferecido por cada grupo. Os evangélicos foram os que mais utilizaram o recurso religioso como forma exclusiva de tratamento, apresentando forte repulsa ao papel do médico e a qualquer tipo de tratamento farmacológico. Também foram eles os que descreveram a maior intensidade na crise vivida, relacionada especialmente às drogas ilícitas. Os espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico em relação à dependência de drogas lícitas em simultâneo com um tratamento convencional, o qual ocorria e podia ser realizado devido ao maior poder aquisitivo desse grupo. O que há de comum em todos os tratamentos é a importância dada à oração, que é a conversa com Deus, como o método para controlar a fissura pela droga, que atua como forte ansiolítico. Para os evangélicos e os católicos, a confissão e o perdão, respectivamente, pela conversão (fé) ou pelas penitências, exercem forte apelo à reestruturação da vida e ao aumento da auto-estima.
O que manteve os participantes deste estudo na instituição religiosa e na abstinência do consumo de drogas foi a admiração pelo bom acolhimento recebido, a pressão positiva do grupo e a oferta de uma reestruturação da vida com o apoio incondicional dos líderes religiosos. Além disso, a religião lhes oferece condições de refazer os seus vínculos de amizade, por meio da realização de diversas atividades ocupacionais voluntárias, facilitando assim o seu afastamento da droga e dos seus companheiros vinculados a ela (Sanchez, 2006).

Perante a falta de informações, ainda há muito a estudar no campo dos mecanismos da atuação da religiosidade no tratamento da dependência de drogas, o que torna esse um campo frutífero para futuros estudos.

Vale ainda destacar que, apesar de as religiões cristãs serem adeptas da abstinência completa de todas as drogas psicotrópicas, no Brasil, as religiões sincréticas como o Santo Daime e a União do Vegetal vêm ganhando terreno na prestação de serviços de saúde pela utilização de uma droga psicotrópica. Elas não trabalham apenas com a fé, mas associam a esta a ingestão do chá alucinógeno de ayahuasca (Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis) a fim de combater os mais variados males orgânicos e emocionais, entre os quais está a dependência de drogas (Doering-Silveira et al., 2005; Barbosa et al. 2005).

Segundo Doering-Silveira et al. (2005), a evidência de que diversos jovens deixaram de consumir cocaína e crack após aderirem à União do Vegetal sugere que o chá tenha utilidade terapêutica no tratamento das desordens de dependência, embora os autores sugiram que sejam realizados estudos longitudinais que permitam melhor avaliação de tal suposição.


Diferenças epidemiológicas de acordo com a religião professada


FÉ possível notar diferenças significativas na postura perante o consumo de drogas, em especial ao álcool, de acordo com a religião professada. Nusbaumer (1981), analisando os dados obtidos pelo National Opinion Research Center, observou que algumas vertentes pro­testantes históricas, como a batista e a metodista, tinham maior tendência à abstinência alcoólica que os católicos, os luteranos, os presbiterianos e os episcopais. Esse dado foi muito semelhante ao encontrado posteriormente por Engs et al. (1990), que verificaram que os católicos e os protestantes liberais apresentavam mais problemas relacionados com o consumo de álcool do que os protestantes conservadores (batista e metodistas).

Schlegel e Sanborn (1979) e Lorch e Hughes (1985) observaram entre os estudantes primários e secundários no Canadá e nos Estados Unidos que aqueles que pertenciam e participavam de uma Igreja Protestante Fundamentalista (pentecostal) tinham índices muito menores de envolvimento com álcool e outras drogas.

Carlucci et al. (1993) chegaram a conclusões similares ao verificar que os protestantes e os judeus aceitam com mais facilidade a abstinência de álcool do que os católicos.

No que diz respeito ao tabaco, Ahmed et al. (1994) verificaram que as mulheres adeptas de religiões evangélicas pentecostais fumavam 3,6 vezes menos que as das outras religiões.

Segundo Francis (1997), que avaliou 11.173 estudantes britânicos, entre os 13 e os 15 anos de idade, os adeptos das dominações protestantes, tanto tradicionais como pentecostais, mostraram-se mais propensos a rejeitar uma oferta de consumo de qualquer droga do que os católicos ou os indivíduos sem religião.

Um outro estudo, com 263 estudantes norte-americanos, mostrou que aqueles que não tinham alguma afiliação religiosa relataram maior envolvimento com o álcool (em número de doses, dias de consumo por semana e episódios de intoxicação). Nesse mesmo estudo, notou-se que os protestantes ainda tiveram padrão de consumo de álcool mais controlado e menos perigoso do que o dos católicos (Patock-Peckham
et al., 1998).

Em linhas gerais, os diversos estudos colocam os católicos como o grupo religioso com o maior índice de consumo de álcool, com taxas muito parecidas às das pessoas sem religião (Perkins, 1985; Amoateng e Bahr, 1986; Cochran et al., 1988). Esses dados podem estar deturpados pela forma como o entrevistado avalia a religião que professa. No Brasil, apesar de a religião oficial ser a católica, o indivíduo não é obrigado a realizar as práticas católicas, no entanto, autodenomina-se católico, mesmo quando não pertence a nenhum grupo religioso ou é simpatizante de outros.

Cada religião tem a sua opinião mais ou menos permissiva quanto ao consumo de drogas, embora diferindo no que diz respeito à questão do álcool e do tabaco. Por esse motivo, o papel preventivo da religião diante do consumo de drogas está mais associado às religiões que, como as protestantes, oferecem uma visão menos permissiva dessa questão (Gorsuch, 1995).


Religiosidade e tratamentos para a recuperação de dependentes de drogas


Tratamentos religiosos

O pouco está descrito a respeito dos “tratamentos” religiosos de reabilitação realizados nas Igrejas, apesar de, no Brasil, haver uma observação leiga e midiática apontando para os aspectos positivos desse tipo de intervenção.

Quando se consideram os temas relativos à espiritua­lidade e à religiosidade no tratamento da dependência de drogas, nota-se nitidamente a preferência dos pesquisadores em estudar o papel dos grupos com base espiritual, mas não religiosa, como os alcoólicos anônimos (AA).

A maioria dos estudos baseados nos programas de tratamento realizados por Igrejas fundamenta-se na corrente protestante, visto que ela foi a pioneira nessa área de atuação logo após a Segunda Guerra Mundial, implementando programas de recuperação nas igrejas evangélicas de Chicago e New York (Brown, 1973). Desde a década de 1960, no entanto, a igreja católica também se mostrou uma fornecedora de “tratamento” e reabilitação da dependência de drogas, embora a maior parte dos programas religiosos para o referido tratamento estude de forma pouco criteriosa a avaliação das suas metodologia e eficácia (Gorsuch, 1995). Nas populações mais pobres, em particular nas quais a religião influencia as questões sociais, como é o caso de Porto Rico, os tratamentos religiosos oferecidos pelas igrejas evangélicas, com base na fé e sem a intervenção médica, têm ganhado espaço e aumentado em número de igrejas e adeptos (Hansen, 2004).

Independente da religião professada, observa-se um forte impacto da religiosidade e da espiritualidade no tratamento da dependência de drogas, sugerindo que o vínculo religioso facilita a recuperação e diminui os índices de recaída dos pacientes submetidos aos diversos tipos de tratamento (Pullen et al., 1999). Dentro de um grupo dos narcóticos anônimos (NA), observou-se que um melhor índice de recuperação estava associado a uma prática religiosa formal diária, evidenciando que aqueles que, além de freqüentarem as reuniões do grupo de mútua ajuda, tinham um vínculo com alguma religião, apresentavam mais sucesso na manutenção da sua abstinência (Day et al., 2003). A uma conclusão semelhante chegaram Turner et al. (1999) que, no seu estudo com uma população exclusivamente de mulheres em recuperação, enfatizaram a importância da associação de um programa de 12 passos a uma prática religiosa regular.

Alguns autores chegam a afirmar que a simples ida à Igreja contribui para a diminuição do consumo de drogas como a cocaína, sem necessariamente nesses locais existir um tratamento formal. No entanto, quando associados aos grupos dos 12 passos, a eficácia parece ser maior (Richard et al., 2000).

Já em um programa de substituição de heroína pela metadona, realizado pelo governo norte-americano, verificou-se que os pacientes que apresentavam maiores índices de espiritualidade e que tinham o suporte de uma entidade religiosa (Igreja) foram os que apresentaram o maior tempo de abstinência em relação às drogas ilícitas. Esse fato sugeriu que a religiosidade fosse preditora da abstinência nos grupos de dependentes de heroína (Avants et al., 2001). Também entre os pacientes em tratamentos de substituição pela metadona, em um estudo exploratório qualitativo, foi constatada a importância dada por essa população às questões espirituais. O tema emergente nas entrevistas foi o senso de força e a proteção que percebem na prática religiosa, o que os faz valorizar um possível tratamento com base na sua própria espiritualidade (Arnold et al., 2002).

Utilizando uma escala de transcendência espiritual, validada para a população norte-americana, com a finalidade de medir o envolvimento pessoal com questões sagradas e divinas, Piedmont (2004) observou que as maiores pontuações dentro de conexões com a divindade, por exemplo na forma de preces, estavam associadas ao maior sucesso na recuperação dos usuários de droga em tratamento médico convencional.

Apesar de pouco comum, alguns autores arriscam teorias que sustentam um possível mecanismo do papel da religiosidade na recuperação do usuário de drogas e no controle da recaída, sugerindo que o aumento do otimismo, a melhor percepção do suporte social, a maior resiliência ao estresse e a diminuição dos níveis de ansiedade seriam responsáveis pelo sucesso desses programas (Pardini et al., 2000). Já para Barrett et al. (1988) esse mecanismo estaria muito mais relacionado às questões sociais, como a ressocialização do jovem pela reestruturação da sua rede de amigos, colocando-o em um ambiente mais saudável e sem a oferta
de drogas.

Segundo Carter (1998), a chave de uma recuperação de longo tempo, ou seja, aquela com mais do que cinco anos de abstinência, está diretamente relacionada ao desenvolvimento da espiritualidade do paciente, e, das pessoas que freqüentam os grupos de AA, 34% conseguem atingir a abstinência de longo prazo. No entanto, o autor sugere que sejam feitas pesquisas qualitativas que possam desvendar o papel real dessa espiritualidade na recuperação da dependência de drogas.

Paralelo a isso, Pardini et al. (2000) ressaltaram que, enquanto há uma quantidade mínima de pesquisas científicas analisando o real impacto e o mecanismo da religiosidade no tratamento dos dependentes de drogas, muitos investigadores teorizam tais fatores baseados nas próprias crenças e nos resultados quantitativos indiretos, o que sugere a necessidade de pesquisas qualitativas para a compreensão do fenômeno.

Dentro da linha qualitativa, um recente estudo brasileiro tentou esclarecer os mecanismos da intervenção religiosa proposto pelas três maiores religiões brasileiras: o catolicismo, o protestantismo e o espiritismo. Foram entrevistados em profundidade 90 indivíduos que haviam se submetido a intervenções religiosas (não-médicas) para curar a sua dependência de drogas. As conclusões apontaram diferenças no suporte ao dependente de drogas oferecido por cada grupo. Os evangélicos foram os que mais utilizaram o recurso religioso como forma exclusiva de tratamento, apresentando forte repulsa ao papel do médico e a qualquer tipo de tratamento farmacológico. Também foram eles os que descreveram a maior intensidade na crise vivida, relacionada especialmente às drogas ilícitas. Os espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico em relação à dependência de drogas lícitas em simultâneo com um tratamento convencional, o qual ocorria e podia ser realizado devido ao maior poder aquisitivo desse grupo. O que há de comum em todos os tratamentos é a importância dada à oração, que é a conversa com Deus, como o método para controlar a fissura pela droga, que atua como forte ansiolítico. Para os evangélicos e os católicos, a confissão e o perdão, respectivamente, pela conversão (fé) ou pelas penitências, exercem forte apelo à reestruturação da vida e ao aumento da auto-estima.
O que manteve os participantes deste estudo na instituição religiosa e na abstinência do consumo de drogas foi a admiração pelo bom acolhimento recebido, a pressão positiva do grupo e a oferta de uma reestruturação da vida com o apoio incondicional dos líderes religiosos. Além disso, a religião lhes oferece condições de refazer os seus vínculos de amizade, por meio da realização de diversas atividades ocupacionais voluntárias, facilitando assim o seu afastamento da droga e dos seus companheiros vinculados a ela (Sanchez, 2006).

Perante a falta de informações, ainda há muito a estudar no campo dos mecanismos da atuação da religiosidade no tratamento da dependência de drogas, o que torna esse um campo frutífero para futuros estudos.

Vale ainda destacar que, apesar de as religiões cristãs serem adeptas da abstinência completa de todas as drogas psicotrópicas, no Brasil, as religiões sincréticas como o Santo Daime e a União do Vegetal vêm ganhando terreno na prestação de serviços de saúde pela utilização de uma droga psicotrópica. Elas não trabalham apenas com a fé, mas associam a esta a ingestão do chá alucinógeno de ayahuasca (Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis) a fim de combater os mais variados males orgânicos e emocionais, entre os quais está a dependência de drogas (Doering-Silveira et al., 2005; Barbosa et al. 2005).

Segundo Doering-Silveira et al. (2005), a evidência de que diversos jovens deixaram de consumir cocaína e crack após aderirem à União do Vegetal sugere que o chá tenha utilidade terapêutica no tratamento das desordens de dependência, embora os autores sugiram que sejam realizados estudos longitudinais que permitam melhor avaliação de tal suposição.


Tratamentos nos grupos de mútua-ajuda


Mundialmente conhecido, o grupo dos alcoólicos anônimos (AA) tem forte influência da espiritualidade na sua estrutura essencial. Apesar de ele não ser um grupo formalmente “religioso”, a sua estrutura é baseada na tradição protestante americana (Dumont, 1974) e, curiosamente, tem sido modelo da conduta terapêutica em muitos grupos religiosos de mútua-ajuda. Convém destacar que, apesar de esses se auto-intitularem grupos de auto-ajuda, o seu processo básico de funcionamento indica forte estrutura na ajuda mútua entre os seus membros. O seu modo de atuar, muito mais do que um trabalho solitário de reconstrução de valores, baseia-se no apoio incondicional dos parceiros que se encontram na mesma condição emocional, o que permite que os membros se socorram mutuamente (Sanchez-Vidal, 1991; Chappel e Dupont, 1999).
Os AA, grupo fundado nos Estados Unidos em 1935 por Bill Wilson, definiram um código moral de 12 passos, cuja origem se baseou na intensa experiência espiritual vivida pelo seu fundador, após este ter passado por inúmeras tentativas infrutíferas de desintoxicação alcoólica pelos meios médicos tradicionais. A partir desse episódio redentor, Bill deu início à estruturação de um grupo entusiasta, quase religioso, para o apoio dos alcoólicos que estivessem interessados na sua recuperação (AA, 2001; Galanter, 2005).

Na década de 1950, com base nos mesmos princípios dos AA, surgiu na Califórnia o primeiro grupo dos narcóticos anônimos (NA), o qual visava atender não só os usuários dependentes do álcool, mas também das outras drogas. Assim, nos 12 passos, todas as citações de “álcool” foram substituídas por “drogas”, mas manteve-se a essência dos AA, sendo a estrutura das reuniões exatamente a mesma (NA, 1997).

A abordagem principal dos AA e dos NA na recuperação do dependente de drogas assenta na crença do valor terapêutico da ajuda de um dependente ao outro. As reuniões são baseadas nos depoimentos que cada membro dá, em que relata as suas experiências e a sua vivência para sua recuperação da dependência do álcool. Uma das premissas básicas das reuniões é o anonimato dos participantes, não havendo registros formais dos freqüentadores (AA, 2001).

Seis dos 12 passos propostos para a recuperação do dependente estão estruturados em um alicerce espiritual, em que, em um contexto ecumênico, se apela para a relação do homem diante de Deus. Os passos 1, 4, 8, 9, 10 e 12 apontam para a responsabilidade do adepto perante seus atos, mas facilitam o enfretamento de tais situações, pois permitem que o usuário transfira a responsabilidade da sua cura para as mãos de Deus, como mostram os passos 2, 3, 5, 6, 7 e 11 (Harris et al., 2003).

Vale destacar que esses grupos não são organizações religiosas e não se apóiam em nenhuma crença em particular, pelo que permitem que cada um dos membros siga livremente a sua religião. Eles também admitem que uma atitude de indiferença e de intolerância perante os princípios espirituais impede o sucesso na utilização desses passos. No entanto, pela afiliação religiosa do seu fundador, nota-se forte característica dos conceitos protestantes nos seus passos. Exemplos disso são o reconhecimento da pecaminosidade, o modelo confessional proposto (confessar-se ao grupo), e a cultura da igualdade e a condenação das hierarquias (Dumont, 1974). Para os membros dos AA, a espiritualidade é a base da sua sobriedade, e esta só pode ser atingida em parceria com Deus (Smith, 1994; Watkins, 1997).

Há hoje extensa literatura científica valorizando os efeitos benéficos terapêuticos trazidos por esse grupo, o qual já possui no mundo mais de 2 milhões de membros (Galanter, 2005). Notadamente uma terapia antialcoólica médica associada à freqüência às reuniões do grupo demonstra-se mais eficaz que qualquer uma delas isolada, provavelmente por causa da adesão de conceitos espirituais (Galanter, 2006). Além disso, parece ser a forma mais eficaz de manter a abstinência na fase pós-internação (Gossop et al., 2003), a despeito de todo o preconceito médico quanto a esse modelo (Fazzio et al., 2003).

O modelo dos AA foi copiado pelo projeto MATCH norte-americano, a fim de que este pudesse levar os seus conceitos ao setting terapêutico, desenvolvendo a facilitação dos 12 passos feita pelos profissionais da saúde especializados no tratamento de dependência de drogas, tendo esta se demonstrado mais efetiva do que as técnicas motivacionais e cognitivas, quando avaliada a abstinência no longo prazo (Project Match, 1998). No entanto, segundo recente revisão sistemática publicada por Ferri et al. (2006), as evidências apresentadas por tais estudos não são suficientes para que se certifique, experimentalmente, a eficácia desse tipo de intervenção. De acordo com os autores, é necessário que sejam realizados mais estudos quantitativos que avaliem a eficácia de tal método terapêutico.


Conclusão


Diante dos resultados observados nos estudos mencio­­na­dos neste artigo, nota-se que, em especial, a freqüência constante a uma igreja, a prática dos conceitos propostos por uma religião e a importância dada à religião e à educação religiosa na infância são possíveis fatores protetores do consumo de drogas. Verifica-se também uma possível influência positiva da religiosidade para a recuperação dos dependentes de drogas. Nesse quesito, a maior parte dos estudos foca tratamentos baseados nos 12 passos dos AA, estando estes alicerçados na espiritualidade, mas não pautados em uma religiosidade específica. No que diz respeito aos “tratamentos religiosos” para a dependência de drogas, poucos estudos científicos têm avaliado esse tipo de intervenção, mesmo sabendo-se que, no Brasil, a cada dia proliferam as igrejas protestantes que se oferecem para curar a dependência de drogas dos seus novos adeptos. A quase totalidade dos trabalhos científicos indexados tem caráter quantitativo e transversal, não enfocando os mecanismos ou as variáveis de causalidade. Dessa maneira, um amplo campo de pesquisa mantém-se aberto nessa área de conhecimento, exigindo mais estudos que permitam a compreensão dos processos da ação da fé religiosa na prevenção primária do consumo de drogas e, especialmente, no tratamento da dependência.




 
O leitor Ronney recentemente sugeriu que eu abordasse o problema das drogas segundo meu ponto de vista. Na ocasião respondi que como não tenho qualquer experiência com dependentes químicos, seria bem difícil escrever qualquer coisa de forma convincente.
Mas hoje mesmo, estava eu sem o sinal de internet aqui em casa e decidi folhear um livrinho da Seicho-No-Ie que tenho comigo, o qual encontrei lá pelos idos de 2000 em uma lixeira. Nunca um “lixo” teve tanto valor pra mim. A sabedoria que encontrei nesse livrinho aos poucos mudou minha vida.
Feio por fora, lindo por dentro

Feio por fora, lindo por dentro

Já falei da Seicho-No-Ie aqui. É uma religião/filosofia oriental (confesso ver o termo “religião” pesado demais para uma filosofia de vida tão leve e desprendida, mas enfim), criada por Masaharu Taniguchi, segundo o próprio, através da orientação de anjos que lhe apareceram e ditaram certos conhecimentos. Essa religião tem um livrinho fininho chamado Sutra Sagrada, e se um dia você tiver a oportunidade de ler (é bem rápido) você verá mesmo que aquele conteúdo é realmente sublime e muito inspirador.
Não sou frequentador da Seicho-No-Ie, entretanto, muito, muito MESMO do que escrevo aqui é observado sob o viés dessa maravilhosa orientação espiritual. Se você se encontra espiritualmente perdido, recomendo que visite algum encontro normalmente semanal promovido pelos membros dessa religião . Tenho certeza que você irá se surpreender.
E voltando ao assunto da dependência química, eis que nesta tarde, em certa página do referido livrinho, encontrei o trecho abaixo, o qual prontamente me lembrou da sugestão do leitor:

Se o espírito está plenamente satisfeito, não há necessidade de entorpecentes ou excitantes

O homem, originariamente, não necessita de bebida alcoólica, de entorpecentes ou de tabaco. Se há pessoas que necessitam deles, é porque elas sofrem alguma carência afetiva. O ser humano, sentindo frustrado o seu desejo de ser amado, de ter paz espiritual, de ser elogiado, de ser reconhecido, ou de ser tratado com carinho, recorre a narcóticos e excitantes na tentativa de entorpecer sua mente. Os excitantes também são um tipo de entorpecente, pois anestesiam a parte do cérebro onde é sentida a fadiga ou o tédio, fazendo com que, por algum tempo, a mente recobre a lucidez e a pessoa se sinta eufórica. A desarmonia na família constitui o maior motivo para o indivíduo procurar bebidas alcoólicas. Quando o espírito está plenamente satisfeito, a pessoa se sente livre e descontraída, não se tornando, por isso, escravo dos desejos do corpo carnal. O homem busca de modo exagerado os prazeres dos sentidos quando o seu espírito está sedento de amor.
Não são belas e lúcidas palavras? Esse ensinamento bate perfeitamente com as orientações do também estupendo Dale Carnegie, no livro Como fazer amigos e influenciar pessoas. Acho que um dos conhecimentos mais importantes passados por esse livro é a visão de que o desejo mais profundo de qualquer ser humano é se sentir “importante”. Se você refletir um pouco, lembrará que sob um ponto de vista mais popular, as pessoas costumam afirmar que o desejo mais profundo de qualquer um é ser “amado”. Vejo que “dá na mesma”. Ser importante para ser amado ou ser amado para se sentir importante. Enfim…
Unindo esses dois pontos de vista, o de Masaharu e o de Carnegie, percebemos que, muito provavelmente, a existência se torna tão tediosa e insuportável para aqueles que não “conseguem” se sentir “importantes” de forma espontânea na vida, que se vêem obrigados a apelar para as drogas como meio de fugir da situação. Acho que não é mais novidade pra mais ninguém que as drogas são uma forma de fuga. “Táqui” o cafezinho meu de cada dia (ou hora) com sua discreta cafeína, que serve de subterfúgio para eu escapar da pressão de produzir sempre mais. Ou os cigarrinhos, para quem fuma, etc. Sob essa linha de pensamento, todos nós estamos querendo “escapar” de alguma forma de pressão. Entretanto, como tudo na vida, quando o povo parte para o exagero, começa a se perder. O ditado é antigo: A diferença entre o remédio e o veneno está na dose.
Contudo, não vejo outra conclusão para todo esse raciocínio que não caia em um lugar comum:

Amor!

Não é necessário fazer um estudo estatístico para concluir que num lar onde o amor esteve sempre presente, não só na forma de brinquedos e mimos, mas de atenção, carinho, conversa e diálogo, as chances de sair dali um dependente químico certamente são bem menores. E não deve ser diferente o caminho a se percorrer para se libertar da dependência. Com apoio familiar, e por apoio entende-se atenção, carinho, MUITA conversa e diálogo, certamente o indivíduo se sentirá fortalecido para superar seus dramáticos obstáculos. O AMOR continua sim, mais do que nunca, o melhor remédio para os males da alma.
Veja algumas afirmações positivas e frases da Seicho-No-Ie
http://www.ronaud.com/frases-pensamentos-citacoes-de/seicho-no-ie


Ronaud Pereira
 
http://www.ronaud.com/auto-conhecimento/

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